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"Como professores de história tratarão em sala de aula os episódios políticos de 2016 daqui a 20 anos? A resposta a essa pergunta é crucial para compreendermos a verdadeira aberração da proposta "Escola sem Partido", que tramita no Congresso Nacional e em várias Assembleias Legislativas país afora.
Como sabemos há uma disputa de narrativa sobre os acontecimentos recentes. Para alguns, talvez a maioria, o impeachment de Dilma reveste-se de legalidade inquestionável, uma vez que o rito foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal e, no mérito, estaria caracterizado o crime de responsabilidade pela reprovação das contas da presidenta em função das "pedaladas fiscais".
Para outros, impeachment sem crime de responsabilidade é golpe. O argumento é simples: as supostas pedaladas não só não caracterizam crime de responsabilidade como também, se aplicadas aos governantes em geral, ensejaria muitos outros processos de impedimento que não estão na ordem do dia. Diante de tamanho casuísmo, não há como não caracterizar o movimento pró-impeachment como golpista.
Certamente, em 2036 haverá professores de história que intimamente estarão alinhados a uma ou outra posição. Dentre os intérpretes do golpe, haverá ainda aqueles que procurarão discernir situações distintas, como as de 1964 e 2016, por exemplo. Rupturas da ordem constitucional podem ocorrer das mais variadas maneiras. A mais recente, que vem se tornando frequente, é o golpe encoberto ou golpe brando (soft coup), na acepção de Noam Chomsky, da qual compartilho.
O fato é que não pode haver uma história oficial. E, na minha visão, há que se escovar a história a contrapelo, com a profundidade que os processos históricos merecem. Independentemente de quem estiver no poder em 2036, essa discussão tem que ser travada nas escolas, expondo os estudantes a diversos pontos de vista para que se formem como cidadãos críticos frente ao mundo, para transformá-lo para melhor
A escola sem partido, no fundo, é a escola do partido único, a escola que não reflete, não critica, não forma livremente juízos sobre os fatos. O oposto do que deve ser: uma escola avessa a dogmatismos que garanta à comunidade a autonomia imprescindível para a qualificação do debate. A escola imune, tanto quanto possível, às interferências do dinheiro e do poder.
Como professor, não quero perder minha liberdade de cátedra. Quero dialogar com meus alunos, aprender com eles, sem correr riscos de patrulhamento. Quero inclusive poder mudar de opinião".
Fonte: Fernando Haddad. ( especial para UOl )

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