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Há uma década ela recebeu a notícia de que parte de sua luta de anos teria um resultado. Mas a lembrança ainda é clara. Ela queria justiça, mas aconteceu algo “muito melhor”. É assim que Maria da Penha, 71 anos, define a criação da lei que leva seu nome e hoje é reconhecida como um marco na luta pela defesa dos direitos e proteção às mulheres.
— Foi uma vitória não apenas para mim. Foi uma vitória para as mulheres brasileiras. Eu estava querendo justiça e o que aconteceu foi muito melhor do que essa justiça. Eu fiquei arrepiada quando eu tive a notícia.
Uma espera que valeu a pena. E no caso de Maria — e de tantas outras “Marias” pelo Brasil — a espera é uma constante. Seu ex-marido, acusado de tentativa de homicídio e cárcere privado foi condenado a oito anos de prisão e cumpriu apenas dois. Em 1983, Maria da Penha foi baleada enquanto dormia e ficou paraplégica. Quando voltou para casa após sua recuperação, não podia sair nem receber visitas sem a permissão do marido e quase foi eletrocutada durante o banho. Somente 19 anos e seis meses depois disso, o agressor foi condenado. Para ela, o motivo dessa demora é claro.
— O meu processo levar 19 anos e seis meses para ser julgado e ele ser preso faltando seis meses para o crime prescrever foi tudo em função do machismo do poder judiciário.
Para que casos como o que sofreu deixem de fazer parte da realidade das mulheres brasileiras, Maria da Penha lida há mais de 30 anos com a constante lembrança do que sofreu e segue na luta pela ampliação da proteção à mulher.
— Eu realmente não gosto de relatar o fato. Mas eu sei que é necessário então é uma missão que eu tenho que ir em frente. Contar a experiência é necessário para que as pessoas entendam.
E essa postura foi essencial para que ela conseguisse superar o que aconteceu.
— Se a dimensão da minha luta não tivesse tomado o rumo que tomou talvez eu não fosse feliz. Eu permaneço na luta até conseguir realmente que sejam implementadam todas as políticas sugeridas para que nós possamos garantir um futuro sem violência para nossos ascendentes.
Dura realidade
Os números desafiam. Segundo dados divulgados pelo Mapa da Violência (2015), entre 2006 e 2013, o número de mulheres mortas passou de 4.022 para 4.762, o que indica que, somente em um ano, 13 mulheres foram mortas de forma violenta por dia no País. Além disso, entre janeiro e março deste ano, o Ligue 180, canal para denúncia de violência doméstica, registrou quase 20 mil ligações. Segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a denúncia mais frequente é de violência física com um total de 11.109 denúncias, seguido de violência psicológica com 5.221 e cárcere privado com 1.220.
Neste cenário, a lei, que segundo o instituto Maria da Penha é conhecida por 98% da população brasileira, torna crime a violência doméstica e familiar contra a mulher, cria mecanismos de proteção à vítima de violência doméstica e familiar entre outras medidas. Para Maria da Penha, a legislação já está bem solidificada nas capitais e grandes cidades, mas ainda não atinge municípios menores.
— Eu acho que as coisas já estão encaminhadas. A necessidade agora vai ficar por conta dos pequenos municípios em criar as políticas públicas e que os grandes melhorem as políticas que existem, como fazer com que a delegacia da mulher funcione 24 horas por dia, todos os dias, por exemplo.
Ana Rita Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo também levanta alguns pontos da lei que precisam de mais ênfase, como a determinação para que varas de violência tenham competência híbrida.
— Um juiz especializado não deve analisar só o aspecto criminal, mas também questões civis e de família que são associadas. É comum ter casos de violência grave, com medida protetiva e na vara de família conceder guarda compartilhada, por exemplo. É como se o problema fosse compartimentado e vai resolver cada pedaço em uma vara sem que eles conversem. Isso é uma preocupação que a lei teve.
Daldice Santana, conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) também defende um investimento no atendimento mais adequado às mulheres.
— A gente tem que cuidar da punição e os procedimentos têm que ser o mais uniformes possível para que as mulheres cheguem ao fórum e tenham um padrão operacional de acolhimento e encaminhamento. Eu sei que isso é lento, mas é questão de priorização. A mulher precisa de um acolhimento adequado senão ela volta para casa, para o agressor. É proteção. Não é só repressão [ao agressor].
Além disso, outros aspectos a melhorar são a parte dos cursos de sensibilização para os agressores e a necessidade de discussão de gênero nas escolas, questões também especificadas na lei.
— No meu entendimento [curso de sensibilização para agressores] é uma política de prevenção de novas violências, para que ele mude seus comportamentos e sua forma de entender a relação com o outro gênero. Isso não é aplicado, existem poucas iniciativas e iniciativas bastante voluntárias e não tem uma política pública para isso.
Sobre a questão da educação, a defensora acredita que só assim a cultura poderá ser realmente modificada.
— A ideia é que um dia as mulheres deixem de sofrer violência e que não haja desigualdade. Para chegar nesse objetivo temos que mudar a cultura e a forma de pensar os gêneros e discutir isso desde muito cedo, naturalizar essa ideia de que são iguais.

Fonte: R7.com

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